“‘Vai morrer.’ mas antes, ele espanca a infeliz”: o heterodiscurso em Mulheres Empilhadas, de Patrícia Melo
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Data
2024-03-20
Autores
Orientadores
Programa
PPGSeD
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Editor
Universidade Estadual do Paraná
Resumo
A abordagem das relações sociais e de suas problemáticas e a prospecção de transformações individuais e sociais pelo diálogo são inerentes ao acabamento temático do gênero discursivo romance que, cronotopicamente, tem meios próprios de enriquecer o discurso interior, apreender temas da vida social, exauri-los e orientá-los à realidade como proposta de crítica e ruptura. Nesta dissertação, portanto, a partir de uma perspectiva interdisciplinar, que coaduna referenciais do dialogismo de Bakhtin e o Círculo, da Sociologia, do Direito, dos Estudos sobre a violência de gênero e outros, objetivamos analisar dialogicamente as manifestações heterodiscursivas mobilizadas para a representação da violência contra as mulheres e sua expressão no feminicídio no romance Mulheres Empilhadas (2019), de Patrícia Melo. Por adição, em nossos objetivos específicos, buscamos (i) compreender as relações dialógicas com discursos cotidianos e institucionalizados mobilizadas na obra; ii) discutir a estilística socioideológica do romance com foco à concretização axiológica; iii) problematizar as relações sociais assimétricas de gênero representadas na obra eleita. Os resultados confirmam a literatura como um ramo da ciência das ideologias e o romance como um gênero discursivo propício à manifestação do heterodiscurso, por agenciar vozes históricas e sociais constitutivas da língua/discurso em uso em diferentes campos da comunicação ideológica, por diferentes grupos participantes da organização social. Como meio concreto de compartilhamentos axiológicos que traduzem a posição socioideológica da autoria de Melo e de interlocutores do seu tempo, o heterodiscurso em Mulheres empilhadas (des)revela um cronotopo contemporâneo de formas brutais, grotescas, amplamente variadas e intrincadas de manifestação da violência contra as mulheres, que culminam em feminicídios banalizados. O romance reveste o tema de um matiz axiológico-emocional de denúncia ampla, de revolta, compreensão crítica e combate a tais atos, aos quais o heterodiscurso, construído das/nas tensões entre vozes cotidianas e institucionalizadas, organizadas e inseridas a partir de formas composicionais e estilísticas, é elemento estético essencial à sensibilização dos leitores. Nesse romance de denúncia e revolta, o heterodiscurso é caracterizado pela variedade de linguagens e horizontes ideológicos manifestados: a) na voz da personagem narradora não nominada, configurada na posição tensa de vítima de violência e agente de seu combate, a partir da qual a autora realiza, literariamente, seu ponto de vista refratado sobre eventos de violência física, sexual, psicológica, estrutural, simbólica e outras, e a partir da qual a própria narradora instituída expressa seu horizonte axiológico de conflito, revolta, crítica, superação e denúncia; b) nas vozes de personagens homens agressores se discursivizam imagens refratadas de sujeitos perturbados, machistas, misóginos, provocadores, predadores, preconceituosos, cruéis, opressores e capazes de assassinar friamente, de forma brutal, natural e socialmente validada; c) nos gêneros intercalados introduzidos como epígrafes, que tanto funcionam, alternadamente, como cortes axiológicos de reflexão e denúncia ao real concreto quanto funcionam como propostas de ruptura e reconfiguração de relações sociais. Conclui-se que o estudo das manifestações heterodiscursivas e sua concretização axiológica em Mulheres empilhadas permite uma compreensão crítica, ampla e profunda da realidade contemporânea no que toca ao tema da violência contra as mulheres e seu desfecho brutal no feminicídio, apontando à necessidade de uma reeducação urgente para relações de gênero na sociedade brasileira.
Descrição
Palavras-chave
Dialogismo. Heterodiscurso. Romance de autoria feminina. Violência contra as mulheres. Mulheres empilhadas.